04 outubro 2006

Vida de Capelão

O título leva-nos ao tão conhecido fado “RUA DO CAPELÃO” … “ Tenho o destino marcado, desde a hora em que te vi… lá-lá-lá-la-ri-lá-lá….

Mas não.

Isto hoje tem, de facto, a ver com a força do Destino. Mais…. Tem a ver com ele e com o divino patronato, entendendo que um sacerdote é efectivamente, não só um “servo” mas também um fiel empregado do Criador.

Não vem para o caso se auferia o ordenado mínimo ou mais ou se, como em voga na actualidade, estava integrado em algum tipo de agência de emprego repartindo a sua massa salarial da forma mais desequilibrada possível…. Uma para mim !!! Três para a agência !!! adiante ……

De fictício tem os nomes da localidade, do padre, como as coisas se passaram e mais um ou outro interveniente, por uma questão de respeito. De resto aconteceu mesmo, e passo a contar.

Honorato era o padre daquela aldeia. Algures por entre as cordilheiras divididas por um rio serpenteante, vasto e raia natural de duas importantes zonas no Norte do País, o seu “povo” respeitava-o e tinha-o como exemplo a citar quando se falasse dos atributos de um padre.

Em Bancres, mesmo antes da Comissão de Festas do Senhor da Aflição, em importância, o topo das atenções era o Padre Honorato. Havia mais de uma vintena de anos, trinta até, se calhar, que aquele pastor enredava as suas ovelhas nos melhores caminhos para os ovis do Senhor, a esforço de muita prédica, práticas e homilias, isto para lá das prestações sociais e comunitárias que faziam dele mais do que um servo…. Um santo…. Isso sim…

Anos e anos a fio a “dar-se” à sua paróquia e ás suas gentes. Uma missa de graça para isto, uma participação na procissão ( de borla ) para aquilo, uma saída com os confrades da comissão para ajudar n’aqueloutro, uma incessante e ininterrupta voluntariedade para tudo que fosse e dissesse respeito a Bancres… e olhem que tempos difíceis se passaram por aquele lugarejo!!! sim senhor… tempos de fome, falta de trabalho e condições dignas de estar das pessoas, com restritos horizontes e poucos proventos. Basta lembrar que aqueles vinte ou trinta anos de vida e labuta foram testemunhas de uma emigração desenfreada para lá dos Pirinéus, de uma guerra colonial a ceifar vidas e mais almas em três frentes – sem contar com a Índia, antecâmara dos conflitos – e para nem tudo ser mau - … pelo menos promissor, uma revolução dita dos cravos veio dar forma a uma nova forma de vida onde de cravos se passou aos “cravas” dando apenas umas migalhas ao grosso da coluna, para não contestarem muito.

Durante estes bilros que teceram a manta dos dias, até há bem poucos meses, aquele santo… o padre Honorato, lá esteve na primeira linha.

Mas nada disto teria sido possível se ao seu dispor não tivesse um carrito. O seu velho, resistente e sempre fiável meio de transporte que nunca o deixou ficar mal, nunca avariou ou se negou a “participar” no seu missionário espírito. Dizem que, para além das bielas, pistões e demais ferrarias, o seu excelente e espartano comportamento se devia ao pequeno depósito de “ bpf “ que é como quem diz… BentoProtectorFuel que guardava a santificada água tirada directamente da pia baptismal.

E assim foi, todos os dias, todos os meses, todos os anos.

Até que desceu do calendário a data dos ( tais ) vinte ou trinta anos de presença na paróquia que proporcionou ao povo o momento único de poder agraciar e agradecer a tão humilde e singela figura, tanta dedicação e devoção.

O senhor Ezequias mais o Roberto d’Azenha, encabeçando uma sólida e determinada comissão – desta vez não da Aflição mas da (re)compensa(ção) fizeram voto de silêncio entre o povo e este, de alma calada e voz escondida ( Honorato não podia saber ) trataram de fazer um peditório para a “prenda do senhor Padre” sendo o objecto da mesma, imaginem !!!... um carro novo !!!!! Isso mesmo, um carrito novinho em folha para que santo Honorato pudesse, com segurança, andar nas estradas para seu belo prazer ou a desenvolver a sua caridosa, voluntaria e prestimosa actividade.

A assim foi.

Toda a gente deu, uns mais do que outros, uns mais do que podiam, e outros ainda o que não tinham, para lhe proporcionar tal alegria !!!

Festa, foguetes, banda a tocar no coreto e toda a gente, todo o mundo a correr para o adro da igreja, uns a pé, outros de mota, outros de carro e… imaginem… alguns de carreto, para “darem” o seu presente ao “nosso querido” Honorato.

Ele foi vinho, picnicadas, cervejas e festarolas e “torcidas” mal curadas e um “oh!!!!” de pasmo, incredulidade e espanto que deixou o padre quase apoplético, quase a desmaiar, quase a pecar, idolatrando o novo “ bolinhas ” como há muito não fazia para com os seus ícones na casa do Senhor e isso Ele, concerteza, perdoar-lhe-ia.

E foi assim que se eternizou o nome deste padre, desta terra e destas gentes.

Umas semanas depois, antes de vencer uma primeira ponte, o padre Honorato esqueceu-se de uma curva e precipitou-se ravina abaixo, entregando a sua alma ao Criador.

Coisas do destino?

Ajuste de contas patronal?

Injustiça e desperdício?

Gratificação para além da remuneração, dando como bónus uma viagem ao Paraíso?

Venha o diabo e ….. escolha.

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