- Doca dos Rebocadores
- 15 Outubro de 2006
- 09,30 horas
Eu e o meu amigo Edmundo Barros aprontamos o material da pesca para passar uma manhã amena em tranquila cavaqueira, beneficiando da paz e sossego que só o mar transmite. O tempo? a condizer! suavemente nublado espaçado a azul por entre os brancos e cinzas e um vento sul, brando, agitando o mar de mansinho.
A doca estava vazia, creio que só nós acreditávamos numa boa safra (a do dia anterior… uma miséria… nada) e isso madrugou-nos. Na enseada, os rebocadores davam o tom azul de outra textura, complementar, à tela.
Edmundo preparava o material e mariscava o aço quando me chamou a atenção para a pequena embarcação que bem parecia à deriva depois de ter sido atrelada por uma outra.
Era uma, de recreio, de uns cinco metros (se tanto) com quatro pessoas a bordo. Uma pequena cana de pesca, ao alto, e o aspecto geral do conjunto indiciava um grupo de experimentados navegadores que (pela enésima vez) iriam fora da barra para mais uma jornada com altas expectativas de pescado. Mas não ….
- Aqueles ali não põem o motor a funcionar !!!
Olhei para o meu amigo, depois para a frente. Para além do motor principal até tinham um outro (mais fraquinho e que me pareceu ser para uma eventualidade) pelo que assumi:
-Ò Edmundo… com dois motores, não há problema concerteza.
Mas a verdade é que algo não estava bem e “a boia não batia com a gaivota” (a frase, no mar, ganha esta nuance).
Primeiro: Os “campeões” fartaram-se de dar ao zingarelho, que é como quem diz… puxar ao cordel… bloq, bloq, bloq… e nada. Uma, duas e muitas outra vezes… bloq, bloq, bloq….
Segundo: Afinal de contas não seriam “tão” experimentados como o aspecto denunciava. Numa segunda observação deu para perceber que os quatro faziam um esforço para se movimentarem com alguma destreza (naquele espaço, assim exíguo… tsst, tsst, tsst) e quando chegou o momento de pegarem num remo (um só, pequenino) ficamos logo a perceber que o melhor era preferível andar de bicicleta (com os olhos vendados) do que fazer aquela figura.
Terceiro: Numa outra perspectiva, deu para ver que, afinal, a lotação não condizia com o número de lugares no livrete da viatura. Para um embarcação daquelas o quarto ocupante só teria lugar à ré e a dar com os pés, tal como um motor…. fora de borda… isso, isso…a nadar e a empurrar.. vá lá…
Quarto: E para “apimentar” a cena… a água estava mesmo “pertinho” da borda que é como quem diz, se tinha “linha” de flutuação, a mesma tinha sido desviada para o metro da Praça do Comércio.
A tal ponto notório foi o desiquilíbrio da embarcação que um dos “maduros” se dirigiu para a proa sentando-se mesmo à pontinha, na esperança de melhorar o centro de gravidade da coisa…
- Eh pá, ó Próspero… Quanto é que me pagariam para ir para o mar nestas condições?!
- Depois destas tentativas todas, e o que penaram, ainda se arriscam a sair naquele jeito.
- Edmundo, deixa lá…. São mesmo apanhados de todo, estão aqui estão no banho, não tarda.
Foi aqui que me ocorreu a cena do filme O TUBARÃO na qual o biólogo pretende desencorajar os (bravos) locais de saírem para o mar em busca do bicho, nos seus barquitos, e perante o insucesso, exclama, em desalento: Vocês vão morrer, todos!!!!....
E lá foram.
Não é que nós os víssemos a zarpar, não senhor….
É que no entretanto desinteressamo-nos da questão e entregamo-nos denodadamente à faina, razão de ser da viagem, que no fim de contas não deu nem um peixito e nos pôs em “apuros” perante as nossas senhoras. Como justificar à minha Cidália e à Dª Ana a falta do almoço? E já não íamos a tempo de apanhar a peixaria aberta…. Azares.
Vai daí, o tempo passou e nós a esgotar os nossos recursos e habilidade para dar alma ao balde com uns peixitos quando olhei para a entrada da doca e exclamo:
- Edmundo? Olha quem vem ali! – Não me sendo possível evitar uma forte gargalhada – Estes tipos são do caraças….
Então apostámos em observar a cena. Neste ponto, já nos ríamos não pelo que víamos mas por antecipação.
Um pescador no seu barquito, de avental… dos verdadeiros, entrou na doca a rebocar o“catita” de recreio e nele os três marujos agarradinhos à…. Espera lá! Eu disse três? Mas eram quatro? cadê o outro?
O pescador largou a corda, deu meia volta e voltou para o mar enquanto as nossas estrelas ficaram de novo à deriva perto da rampa do clube. Foi nesse momento que as nossas mentes sossegaram…. Afinal lá estava o outro, tolhido e encolhido de todo… mas lá estava. Ia à frente ao lado do piloto, quase imperceptível.
Desenrolou-se de novo a cena do remo… chlap, chlap, chlap… e a custo lá conseguiram acostar à rampa. De imediato o diminuído foi ajudado pelos companheiros e levado para a rampa, onde se deitou, imóvel, à custa de um colossal enjoo… “almareado” como diz o povo, almareado…
Entretanto chegamos à cena maior (para mim) desta aventura!!! A retirada do casco para o seco.
Vai de descair o carro com o atrelado para a água. Lentamente, com prudência e ajudado na manobra por um deles… Venha!!! Venha!!! Venha!!!... Depois com a destreza já imaginável pegaram na cordinha e puxaram o barquinho para cima do (já submerso) atrelado e … (neste ponto, vale a pena referir que o automóvel estava “mesmo” com a traseira “na” água) vão de abrir a porta da bagageira para ser possível accionar a manivela de tracção. Ora, de porta levantada e com o ondular das águas, o mar lá subia parte da rampa…passava a frente do carro… e logo descia lavando pneus e a parte debaixo da viatura (o traseiro… pelo sim pelo não, lavadinho por baixo, como dizia o outro) e eles a dar à manivela…clinck, clinck, clinck e as ondinhas, suavemente, a tirar medidas ao parachoques, para cima… para baixo.... e o barquinho a subir, a subir.
Já falei nos rebocadores, aquelas máquinas infernais (lembro-me do nome de um deles… o Spartacus) que puxam os mastodônticos navios que aportam a Sines, e como estávamos na sua doca, o vai e vem destes era bem regular pelo que, ao momento, eis que entra um revolvendo aquele espelho d’agua e revitalizando o bater das ondinhas, que então sim, invadiam a rampa com gosto, sem quebrar, espraiando-se cimento fora…fshhh, fshhh, fshhh.
E não é que aqueles totós nem isso previram? E não é que as ondinhas galgaram de tal modo que o mar quase, mas mesmo quase, entrou pela mala adentro?
Bom…
Se tivesse entrado (e a bagageira era bem espaçosa) teria provocado uma baixa na maré e aí, talvez tivéssemos tido a sorte de iscar uns peixotes e safar a jorna. Mas não, roçou a matrícula, um pouquinho mais acima talvez e quedou-se por aí…. Foi pena….
Ah!!! Mas já me esquecia!!! Depois de terem retirado o carro, raspando a chapa de matrícula do atrelado pela rampa fora, eis que se levanta (só nessa altura) o esverdeado marujo, a custo e ainda cambaleante, vencendo a inclinação, regressando ao plano vertical assente no horizontal, sem mais ondas…
SINES, lido ao contrário, dá “SENIS” e… francamente, pouco faltou para isso… ancoraram nos totós, e pronto.
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