22 maio 2006

Um pequeno conto...

Os dois putos entretinham-se a jogar uma bola de trapos num terreno enlameado da sua rua, cujos taipais mostravam mais do que tapavam e onde aqueles ( e outros ) rapazes exerciam o seu estudo e educação.... as de rua....
Figueiredo e Ramiro eram os compinchas em questão. O primeiro, mais conhecido pelo Fivelas era assim chamado porque já tendo sido um pouco "anafadinho" a vida desatou a pregar partidas à família que, de revés em revés foi parar à mais triste condição de pobrete ( nada alegrete ) e excluindo um mísero barraco ( para albergar os pais, dois irmãos mais pequenos, um cão e uma televisão) a sua maior riqueza era o espaço daquela antiga sucateira... a servir de campo da bola.
O segundo, mais rufia e traquejado nas andanças da valeta, era o Passa-Chuva, assim chamado pelo facto de ser tão magro, tão magro, tão magro... que (diziam por graça) quando chuvia conseguia passar pelo meio dela, sem se molhar. Era, de facto muito esguio, escorregadio até, e que o digam os comerciantes e polícias da zona pois tantas vezes lhes fugira das mãos.... Uma vez até teve o atrevimento de fugir e levar consigo a "prova" do crime, que naquele dia deve ter "aconchegado" os estomagos lá da sua telha.
Paciência.... menos negócio para o Sr. Bandeira que nesse dia fechou a loja com uns dinheiros a menos e uma falta inesperada nos stocks da sua loja. E que lindos e bons que eram aqueles chouriços....
Bom... adiante....
A um chuto do Fivelas não correspondeu, desta vez o Passa-Chuva com uma daquelas habituais (e boas) defesas em que se revia, qual galáctico, a levar o ´"bruááá" a todas as bancadas, pela emoção de um golo.... afinal impossível.
Também não foi golo pois que, a avaliar pelos seus parâmetros, a bola foi alta de mais, passando muito acima da "barra" que não existia, restando apenas os "postes" marcados com duas latas d´óleo já enferrujadas.
E a maltrapilha da bola lá foi cair junto aos taipais do terreno. Para lá deste a rua servia de "fronteira". Para cá, deste lado do taipal, a miséria.... para lá daquela rua as casas das pessoas com dinheiro. importantes....
Os dois precipitaram-se para lá. O Fivelas meteu o braço entre os taipais para arrancar a bola do passeio e salvá-la de algum passante mais malandro que a chutasse para nehures. De cara na taipa cruzou o seu olhar com a janela do outro lado da rua !!....
- Passa Chuva... Passa Chuva... anda ver... anda ver quem está alí.
Já aquele se estirava ao seu lado e da sua boca saía um espantado Oh!!!!!!....
- É o Bernardo, pá!!!!!!!!!!! É o Beeern...ardoooo, pá.... Afinal o gajo mora ali !!!!!
- Pois é..... sempre é verdade que que o gajo é rico com'ó caraças.... Já viste bem ?? Olha p'ró tipo sentadinho a pôr manteiga no pão.... e com criada a encher a tijela - exclamou o Fivelas espantado !!!! arrematando...
- É mesmo rico......
- Mais do que isso !!!!! É Riquíssimo
- atalhou o Passa-Chuva...
- Como sabes ??? - Disparou o Fivelas entusiamado...
- Porque ele está a pôr manteiga nos dois lados do pão.... não vês ????

(Portugal é o país da CEE com mais baixo valor per capita e com um maior
fosso entre as classes baixa e alta, percebendo-se o desgaste da dita média pela profundidade encontrada naquele)





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