09 novembro 2006

QUOTIDIANO

Já saturado de estar no Posto de Saúde e após ter cumprido com o compromisso das marcações de consulta, esgueirei-me para a rua, com duas intenções…. Uma a de sair daquele ambiente deprimente e de não dar ouvidos às conversas mórbidas e miserabilistas , mais as porosas e bolorentas lengas-lengas de lamentos e ais que um posto médico proporciona… A outra era a de esperar a minha esposa antecipando o encontro marcado com aquela, na habitual certeza de que faria as suas compras primeiro, do que eu… as minhas marcações de médico.

Para não ter que “asfixiar” naquele ambiente, vim então para a entrada e postei-me a observar as pessoas quando deparei com uma senhora, de idade, em passo algo determinado, em questiúncula consigo própria sob um qualquer assunto mais incómodo ou de desperdício. Era uma senhora pequena, franzina e a rondar os seus sessentas e tais, bem cuidada e urbana no trajar, jogando por entre uma mão uns papéis quaisquer e na outra, de dedos gesticulantes, os tais pensamentos ou preocupações que lhe faziam o olhar, ora ausente, ora inquisitivo e de quando em vez dando sinais de “aterrar” na realidade por breves e sumidos espaços.

Ao passar por mim, ia dizendo…

- …Uma coisa tão simples e ela (aqui a sua mão virara-se para o edifício da Caixa) não foi capaz de tratar disto!! Agora sou eu que….

Quando estava já quase a passar-me, levava já um passinho da minha pessoa, parou, olhou para mim, sorriu como que a desculpar-se e concluiu.

- …Desculpe-me… sabe? O senhor ao ouvir-me está a pensar que me estou a queixar de algum funcionário aqui da Caixa… mas não… (pelos vistos, coincidência de gesto, nada mais) mas sabe? …é que incumbi uma familiar minha de tratar deste assunto, uma coisa tão simples e afinal, nada fez e agora… sou eu que, com esta idade, ando a tentar resolver… (aqui, novamente um sorriso tentou aplacar o incómodo físico)

Na minha precipitação de ajuizar, julguei que se iria justificar por “ir a falar sozinha” mas não… afinal era para me desvanecer de quaisquer dúvidas a que me tivesse induzido quanto à competência de um qualquer funcionário daqueles Serviços.

Apressei-me a comentar…

- Nem sempre nos ajudam quando precisamos mas… fique a senhora descansada que por mim não estava a pensar em nada, apenas me apercebi que vinha preocupada com algo e detive o olhar… e aliás, não tem a senhora obrigação de se justificar de nada perante ninguém.

Respondeu:

- Pois é mas dá vontade de explicar as coisas… d’estas coisas que nos aborrecem…. Sempre se fala um bocadinho…

Neste instante apercebi-me da importância que tinha, para um pessoa só… pelo menos solitária, a partilha de algo tão insignificante, com alguém que nada significava para ela, a não ser o “outro lado” de um deserto que todo o dia tem que atravessar, onde qualquer um é oásis e pode ser companheiro de viagem, por breves instantes que seja.

Então, conclui:

- Faz muito bem em derrubar essas preocupações, expurgar o incómodo e desabafar… por certo que fica melhor e mais bem disposta… Tenha então um bom dia e que tudo se resolva a contento e não se enerve… tenha mesmo um bom dia…

Um sorriso aberto,

Um ligeiro brilho nos seus olhos negros,

Um retomar de caminho, revigorado… e um expressivo “muito obrigado” e um mais caloroso …”tenha também, o senhor, um bom dia…” e desculpe-me o atrevimento e o incómodo….

Nesse entretanto chegou minha esposa e rumámos para casa…emprestando ao dia uma conversa pegada, sem pressas, nem temas especiais mas repleto de oásis na sua travessia.